sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

GRAMÁTICA DA VIDA


Américo Marques Ferreira

NO PRINCÍPIO ERA O VERBO...

 Como não sabia falar, me comunicava através de expressões corporais.
 Instintivamente, percebi que poderia dizer não meneando minha cabeça de um lado para o outro.
 Outras vezes, com um sorriso, descobri que podia ganhar um carinho.
 E os primeiros verbos eram todos ligados à minha subsistência (comer, dormir, chorar, regurgitar)
 À medida que fui crescendo, ampliei meu repertório com verbos de ação: engatinhar, andar, tropeçar, cair, levantar.
 Mas a fase mais gostosa foi quando comecei a conjugar o verbo brincar.

NAVEGAR É PRECISO...

 Na primeira infância, a mais rica fase de explorações.
 Em meu entorno, um mundo a ser descoberto.
 E o método disponível era o ensaio e erro.
 E a aprendizagem brotava do ócio criativo de maneira lúdica e descontraída.
 Não era necessário estudar pra prova, pois a evolução se media diariamente.

ESCOLA FORMAL versos ESCOLA DA VIDA

 Descobri muito cedo que, na fase anterior, a escola da vida, não há férias, nem diplomas.
 Mas ao ser matriculado na escola formal, o ensino, na maioria das vezes, se dá na base da “decoreba” do fato/data/nome.
 É ai que se aprende que a vida é uma grande competição e que cada colega, ao invés de amigo, é um concorrente a ser vencido.
 Nesta fase, surgem os apelidos, as brincadeiras de mau gosto e a prática do bullyng.

ANGÚSTIA É PRERROGATIVA DE QUEM TEM OPÇÃO

 Na adolescência, o processo decisório deixa de ser dicotômico (bom/mau, branco/preto, bonito/feio)
 E surgem as dúvidas sobre quem sou eu, por que estou aqui, pra onde vou?
 E descobrimos que crescer, dói.
 Sair da confortável cadeira da infância em direção à cadeira da maturidade passa por sentar no meio de ambas.
 Quando se pretende mostrar-se maduro, nos dizem: saí pra lá pirralho... Outras vezes quando apelamos para o álibi de um comportamento infantil, nos dizem: você já é grandinho...
 Não é à toa que denominam esta fase de “aborrescência”.

TREINO É TREINO, JOGO É JOGO...

 De repente, tudo que fizemos nas fases anteriores, é posto à prova.
 E nos sentimos, a cada momento, como se estivéssemos com uma espada pendurada por um fio em cima de nossa cabeça.
 Nesta etapa descobrimos que vivemos numa sociedade credencialista que classifica as pessoas por critérios superficiais sobre o que significa sucesso.
 Muitas pessoas se sentem como numa maratona tentando alcançar a linha do horizonte.
 Outras, como se tivessem enxugando gelo numa vida rotineira e enfadonha.

MATURIDADE.

 Nesta fase da vida, é de se esperar que tenhamos aprendido a praticar o altruísmo maduro, ao invés do egoísmo infantil.
 A começar pelo casamento, onde descobrimos que dividir muitas vezes significa multiplicar.
 E quando nascem os filhos, aprendemos que menos pode resultar em mais.
 E o sentimento de realização está ligado mais à vertente do ser do que o ter.
 E também nos desprendemos da necessidade obsessiva da aprovação alheia, transcendendo o apoio ambiental para o auto apoio.

VELHICE

 Encerro esta reflexão com uma realista metáfora sobre o ocaso da vida, escrita por Salomão no livro de ECLESIASTES, capítulo 12.
 Lembra-te do teu Criador nos dias da tua mocidade, antes que venham os maus dias, e cheguem os anos dos quais dirás: Não tenho neles prazer;
 Antes que se escureçam o sol, a lua e as estrelas do esplendor da tua vida, e tornem a vir as nuvens depois do aguaceiro;
 No dia em que tremerem os guardas da casa, os teus braços, e se curvarem os homens outrora fortes, as tuas pernas, e cessarem os teus moedores da boca, por já serem poucos, e se escurecerem os teus olhos nas janelas;
 E os teus lábios, quais portas da rua, se fecharem; no dia em que não puderes falar em alta voz, te levantares à voz das aves, e todas as harmonias, filhas da música, te diminuírem;
 Como também quando temeres o que é alto, e te espantares no caminho, e te embranqueceres, como floresce a amendoeira, e o gafanhoto te for um peso, e te perecer o apetite; porque vais à casa eterna, e os pranteadores andem rodeando pela praça;
 Antes que se rompa o fio de prata, e se despedace o copo de ouro, e se quebre o cântaro junto à fonte, e se desfaça a roda junto ao poço,
 E o pó volte à terra, como o era, e o espírito volte a Deus, que o deu.
 Vaidade de vaidade, diz o Pregador, tudo é vaidade.

01 de janeiro de 2016